terça-feira, 24 de maio de 2016

A gênese de tudo que é pesado: A pertubadora estreia do Black Sabbath



Uma estranha combinação de diversos fatores fizeram deste o primeiro disco que podemos classificar como “heavy metal”, mesmo que isso seja um anacronismo. O Black Sabbath era, basicamente, uma banda de blues pesado - nos moldes do ascendente Led Zeppelin - praticamente desconhecida. Quando entraram em estúdio para gravar seu álbum de estreia, não tinham muito tempo nem dinheiro, forçando-os a fazerem poucos takes e gravando tudo ao vivo. Isso é facilmente perceptível ao ouvir o álbum. Há uma sensação de improviso durante todo o LP.
Mas este não era só mais um disco de blues pesado.

O guitarrista Tony Iommi, quando mais jovem, sofreu um acidente na metalúrgica em que trabalhava, perdendo as pontas de dois dedos de sua mão direita. O que poderia ser uma tragédia pessoal tornou-se um incentivo para continuar. Iommi fez dedais caseiros para conseguir voltar a tocar, e, para ficar mais confortável, afrouxou as cordas de sua guitarra. Isso deixava o som mais grave, denso e pesado.

O baixista Geezer Butler era um grande fã de histórias de terror e ocultismo, e era considerado o “inteligente” da banda. Por isso escrevia as letras. Nessa época, todas elas continham algum elemento dste universo.

O marketing feito pela gravadora também foi importante, mesmo que sem o grupo aprovar, ou saber. A sinistra capa, com uma foto feita em moinho qualquer, não tinha qualquer relação direta com o Black Sabbath: nenhum dos integrantes sabia onde ficava aquele lugar nem quem estava posando. Além disso, na capa interna, havia uma cruz invertida com um texto estranho sobre um evento sombrio. Para completar, a gravadora decidiu lançar o disco no dia 13 de fevereiro de 1970, uma sexta-feira 13.



A arte do vinil: oculto

Me lembro exatamente da minha reação ao ouvir a música “Black Sabbath”, faixa que abre o disco. Devia ter uns 12 anos, e já conhecia praticamente todas as músicas de Paranoid, o disco seguinte. Achava aquilo tudo um som pesado, porém jamais “sombrio” ou “assustador”. Eis que fui ouvir o tal “disco da bruxa”. Uma chuva. Trovões. Um sino de igreja. E, de repente, o riff de guitarra mais tenebroso que ouvira até então vinha com força total. A música se acalma, mas o riff continua, deixando a coisa toda parecendo um mantra. É aí que a voz agonizante (e totalmente diferente do que se ouve em Paranoid) de Ozzy Osbourne entra em cena. Ao gritar “Oh no!” o riff inicial voltava com força total. Eu estava petrificado. Fechei o player de música do computador. No auge dos meus 12 anos aquilo me deixou extremamente perturbado. Alguns minutos depois, voltei a ouvir o disco, porém pulando “Black Sabbath”.

“The Wizard” é uma música fantástica. É a síntese de como se tocar um blues da maneira mais pesada possível. A gaita combinada com a guitarra de Tony Iommi dá um clima único para esta canção. Era a minha favorita na época. Na sequência temos a dobradinha “Behind The Wall Of Sleep”/”N.I.B.”, uma verdadeira rifferama, cortesia do mestre Iommi, com direito a um solo emblemático de baixo com wah de Geezer Butler. Tão emblemático que é tocado até hoje nos shows do Sabbath, nota por nota.

“Evil Woman” é uma bela cover do Crow, porém está no álbum apenas como exigência da gravadora, pois seria o single que iria vender. Não vendeu, e a banda não curtiu a ideia. Mais uma viradinha, desta vez com a soturna e macabra “Sleeping Village” (um número acústico extremamente perturbador) e “The Warning”, guiada pelo baixo forte de Geezer e contendo um solo imenso e magistral de Tony Iommi. Este solo, inclusive, era muito mais extenso que a versão que está no disco. Foi encurtado devido a uma exigência de quem? Isso mesmo, da gravadora. “Wicked World” finaliza o álbum com um blues jazzístico, lembrando os primórdios do Earth.

Uns dois anos depois do choque causado por “Black Sabbath”, resolvi ouvir novamente todo o álbum, incluindo a faixa de abertura. Aí a coisa mudou. Não me senti perturbado e pude sacar a música. “Black Sabbath” certamente é a canção mais pesada da história da música popular, uma verdadeira missa negra, em todos os aspectos. Tem começo, meio, clímax e fim. Após as repetições do já citado riff, a música toma um rumo acelerado que culmina em um final explosivo e extremamente apoteótico. Quando acabei de ouvir a música pela primeira, fiquei novamente petrificado, porém desta vez não por medo, mas sim por extremo êxtase. É impossível não ficar chocado.


“Black Sabbath”, por si só, já seria capaz de criar o heavy metal, e ainda sobraria força para criar algo mais.


Ozzy Osbourne, Geezer Butler, Tony Iommi e Bill Ward


quarta-feira, 2 de março de 2016

To here knows when: os EPs do My Bloody Valentine de 1988 a 1991


1991. O Nirvana toma a cena alternativa norteamericana de assalto com Nevermind, o maior clássico do grunge. Dr. Dre abandona o N.W.A e começa a arquitetar seu plano maligno para revolucionar o hip hop: o G-funk. E o My Bloody Valentine finalmente completa a obra-prima do shoegaze.

Levou tempo para Loveless vir à luz do dia – dois anos, uma estimativa de dezoito estúdios e a suposta quase falência da gravadora da banda, a Creation. O perfeccionismo do guitarrista e vocalista Kevin Shields em relação ao segundo álbum do My Bloody Valentine é comparável ao de Brian Wilson na época da gravação de Pet Sounds, o grande disco dos Beach Boys; tanto que os irlandeses só voltaram a lançar material inédito em 2013. O fato é que Loveless foi pivô de uma revolução no rock alternativo ao transformar o noise pop de Cocteau Twins, Sonic Youth e Dinosaur Jr. em uma criatura sem precedentes até mesmo para os outros expoentes do shoegaze. Mas, antes disso, foi documento de uma revolução dentro do próprio My Bloody Valentine.

Essa revolução foi registrada em vários EPs, sendo aqueles lançados entre 1988 e 1991 fundamentais para se entender o processo que culminou no clássico Loveless. You Made Me Realise, o primeiro da série, se trata de um divisor de águas na história do MBV por ter sido sua estreia na Creation. O disquinho traz muito das características de Isn’t Anything, o debut cheio do mesmo ano: guitarras distorcidas no talo, vocais preguiçosos, bateria frenética. Faixas como “Slow” e “Thorn” fizeram deste um clássico e um belo exemplar do pós-punk mutante que era o som do quarteto nessa época. Feed Me With Your Kiss saiu logo em seguida e, ainda que conserve a mesma fórmula do antecessor, envereda por caminhos mais sombrios. “I Need No Trust” soa como um laboratório para os instrumentais de Loveless.

Glider (1990) foi gravado durante as sessões do magnum opus, contando com a clássica “Soon” na tracklist. O EP exala transição, já lembrando pouco dos trabalhos anteriores e não sendo muito coeso, apesar de importante. A faixa-título é Kevin Shields brincando com seu arsenal guitarrístico, “Don’t Ask Why” é uma espécie de precursora de “Sometimes”, número acústico da obra maior do grupo, e “Off Your Face” introduz o estilo mais reto que o baterista Colm Ó Cíosóig adotaria a partir daí.

Tremolo (1991) foi, essencialmente, o registro pré-Loveless. Não por acaso, carrega várias das características mais marcantes deste: as passagens instrumentais ao final de cada canção – segundo Shields, músicas individuais camufladas –, os samples discretos e a parede sonora cada vez mais alta, chegando perto de encobrir as vozes angelicais da dupla Shields e Bilinda Butcher. A meu ver, supera o clássico You Made Me Realise e contém três dos melhores momentos da banda: “To Here Knows When”, presente também em Loveless, “Swallow” e “Honey Power”, todas deliciosamente oníricas.

Voltemos, então, ao começo do texto. Levou tempo para Loveless vir à luz do dia, mas ele veio. E, quase simultaneamente, o My Bloody Valentine sucumbiu. Depois de uma mudança de gravadora, Shields passou por um bloqueio criativo e pouco a pouco seus companheiros abandonaram o barco. Ao final da década de 1990, o líder do MBV se envolveu em projetos paralelos com nomes como Primal Scream, Yo La Tengo e Dinosaur Jr. Os expoentes maiores do shoegaze só voltaram a se reunir em 2007 e, em 2013, lançaram o terceiro álbum da carreira, autointitulado e aclamado por público e crítica.

No entanto, seu legado mais expressivo já foi concebido e consolidado. Loveless é uma das grandes obras dos anos 1990 e não teria sido possível sem esses quatro EPs, compilados mais tarde na coletânea EP’s 1988-1991 junto a algumas pepitas perdidas. Boa viagem.




segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Steady Diet of Nothing, ou a volta dos que não foram (ao mainstream)


O sucesso é um fenômeno perigoso. Vem sem aviso, abala as estruturas dos envolvidos e pode ir embora tão ou mais rápido quanto chegou. Na virada de 1990 para 1991, o Fugazi experimentou deste: a turnê de promoção de Repeater, uma das estreias mais estrondosas da história da música, arrebanhou um séquito monumental de fãs e não demorou a chamar a atenção dos engravatados. Contrariando as expectativas o quarteto de Washington, DC manteve-se firme em suas convicções e preferiu seguir na Dischord, que, apesar de pequena, era território seguro e livre de cobranças mercadológicas.

Ainda assim, havia toda uma espera muda e ansiosa no habitat natural dos rapazes. O que estava por vir? superaria o aclamado debut? Em julho de 1991 a curiosidade pode ser sanada na forma de Steady Diet of Nothing, um disco de nome estranho e capa simples.

Se a arte de Repeater ostentava o nome em letras garrafais, a de Steady Diet sequer o fazia na parte da frente, que contava apenas com uma imagem simples e um “Fugazi” no canto superior esquerdo. Julgar um livro pela capa não costuma ser correto, mas nesse caso faz todo sentido. Basta dar play em “Exit Only”: cacofonia despretensiosa abrindo alas para riffs simples, bateria cadenciada e letra abstrata.

Suceder um trabalho prestigiado é sempre tarefa árdua, e, no caso do Fugazi, foi dificultada pela ausência de Ted Niceley, o produtor de Repeater. Ou seja, os caras acabaram tendo que se virar com o pouco conhecimento que tinham do assunto. Segundo Ian MacKaye, a mixagem foi especialmente complicada. Ninguém queria afetar a performance do colega, assim, Steady Diet acabou sendo mixado, em suas próprias palavras, “democraticamente”. Portanto, não há nada da sonoridade grandiosa do debut.

Em vez disso, a banda enveredou por caminhos mais minimalistas, com a dupla Joe Lally (baixo) e Brendan Canty (bateria) se destacando muito mais que os riffs esparsos de MacKaye e Guy Picciotto. Talvez por isso Steady Diet se tornou um disco subestimado tanto pelos críticos quanto pelo próprio Fugazi. Mas eu digo que ambos os lados foram injustos. Afinal, um disco com a paulada visceral de “Reclamation”, o groove torto de “Stacks”, a bateria insana de “Latin Roots”, a beleza de “Long Division”, a dissonância de “Dear Justice Letter”, a tensão de “KYEO”, enfim, não pode ser desconsiderado. Essa capa desbotada esconde um álbum violento, catártico, desesperado e engajado. E, por isso – e também por ter sido meu primeiro disco de vinil lacrado –, tão bom ou até superior a Repeater.

Para terminar, a oportuna letra de “Reclamation”, uma das melhores músicas que já ouvi:

These are our demands –
We want control of our bodies
Decisions will now be ours
You’ll carry out your noble actions
We will carry our noble scars

No one here is asking
But there is a question of trust
You will do what look good to you on paper
We will do what we must

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Franz Ferdinand: uma saudação de boas vindas dançante do indie rock que dominaria os anos 2000

Influenciados pelo movimento pós-punk, Franz Ferdinand (2004) misturou riffs a lá Joy Division e Gang of Four a batidas dançantes, criando uma espécie de dance-punk e se tornando discografia essencial dos anos 2000 



Desde a primeira música até a última, é bem nítido que o Franz Ferdinand estreou com um álbum muito influenciado no pós-punk de bandas como Joy Division e Gang of Four. Os riffs de guitarra, do inicio ao fim, lembram muito aqueles já consagrados por essas bandas, o que dá uma atmosfera bem pós-punk ao disco, soando como uma espécie de “pós-punk revival” nos anos 2000. No entanto, o Franz Ferdinand, em sua estréia, alia esse gosto por Joy Division e Gang of Four a um apreço por funk e (até) disco music, criando uma textura dançante com riffs simples, densos e explosivos ao mesmo tempo.
            Assim, Franz Ferdinand, o álbum homônimo de estréia, é um peça interessante do indie rock dos anos 2000 e com certeza - junto com o Is This It do Strokes - um dos discos mais emblemáticos dessa geração indie dos anos 2000 que perdura até hoje com força e através também de outros representantes de peso - como o bem sucedido Arctic Monkeys , o simpático The Killers e o pós-britpop Kaiser Chiefs.
            Puxado pelo sucesso estrondoso da música “Take me out” e de seu vídeo, inspirado em obras dadaístas e em propaganda soviética, o disco era (e ainda é) muito mais do que esse grande hit que talvez seja o maior da banda. Sem dúvida, o apelo pop e dançante dela é o mais forte do album, mas não é o único. “The Dark of the Matineé” é igualmente genial e brilhante ao misturar a delicadeza dos versos iniciais – “take your white finger/ slide your nail under/ The top and bottom buttons of my blazer” – a uma introdução explosiva  e a um refrão contagiante e dançante – “Find me and follow me /Through corridors, refectories ...” - criando um verdadeiro “dance-punk” com o groovie de bateria misturado ao peso minimalístico do riff principal das guitarras. “Tell Her Tonight” é  bem dancante, além de ser um triunfo pop muito potente com um riff funky e uma letra muito bem-humorada.  A desesperada “Auf Achse” e a esperta “40” são também uma mostra do “dance-punk” do disco de estréia do Franz Ferdinand, sempre misturando a simplicidade das guitarras a baixo e bateria que nos fazem dançar inconscientemente. “Cheating on You” é um pouco menos groovie do que as anteriores, mas é uma prova da influência que as bandas pós-punks exercem sobre a banda escocesa, sua sonoridade e seu riff de baixo dissonante são similares a das músicas do clássico Entertainment (1979) do Gang of Four.  
            Todavia, com certeza a música que mais demonstra a influencia do movimento pós-punk no som do Franz Ferdinand é um dos singles e uma das músicas de maior importância no álbum e na carreira dos escoceses, “This Fire”. O riff inicial poderia ter sido facilmente lançado por Andy Gill & Cia. nos anos 80 e a linha de baixo sempre nos tempos ímpares – no 1 e no 3 no compasso 4/4 – dá um ar experimental e pop ao mesmo tempo. Outro ponto decisivo para a importância dessa música é a urgência com  que Alex Kapranos interpreta a letra destrutiva da canção.
            Somado a tudo isso, há ainda as outras duas músicas mais pop do disco homônimo: “Darts of Pleasure” e “Jacqueline”. A primeira foi o single inicial lançado pela banda - sendo lançado até antes do próprio álbum - e é uma música bem irreverente com parte da letra cantada em alemão – “Ich heisse Superphantastisch/Ich trinke Schampus und Lachsfisch”. A segunda é importantíssima para a banda, visto que é uma daquelas canções que não podem faltar (e quase sempre está) no repertório ao vivo do Franz Ferdinand.

            Ainda que o álbum seguinte, o impressionante “You Could Have it so much Better”, fosse superior musicalmente ao disco de estréia ( e se tornaria o melhor disco da banda não sendo superado por nenhum outro ao meu ver), ele não teria a importância e a força pop e fácil de Franz Ferdinand. O disco de estréia do quarteto de Glasgow é uma saudação de boas vindas poderosíssima a era do indie rock, um retrato essencial pra quem quer entender e conhecer o movimento das bandas indies dos anos 2000.


terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O retorno do Blur aos estúdios: Um dos melhores momentos de 2015

                
Depois de mais de uma década sem lançar álbuns de estúdio, o Blur se sai muitíssimo bem numa mescla entre experimentalismo e sua sonoridade clássica dos anos 90.
                





The Magic Whip é um dos grandes álbuns desse ano. Sem dúvida, não poderíamos deixar que 2015 passasse em branco sem ao menos comentar sobre esse grande lançamento de um dos grupos do Britpop mais bem-sucedidos. Mas, o caminho até esse lançamento foi muito longo e cheio de desvios.
                Após o lançamento de Think Tank, em 2003, o Blur – que já estava desfalcado pelo guitarrista original, Graham Coxon – se separou. Em 2009, a banda se reuniu de novo para ser a headliner de uma das noites do britanicamente tradicional Glastonbury Festival – agora novamente com sua formação original, com Coxon retornando como guitarrista à banda. Desde então, o quarteto de Essex não se separou novamente, mas apenas vinha lançando algumas músicas inéditas (através de singles normalmente), discos ao vivo, coletâneas e fazendo shows mundo afora. Teríamos que esperar mais alguns anos após o retorno da banda para termos o gostinho fresco de um álbum novo de estúdio.
                Em 2013, depois do cancelamento do Tokyo Rocks Music Festival, no Japão, a banda se viu com alguns dias extras em Hong Kong e, como forma de se distrair, começaram a gravar novo material. Apesar do vocalista/letrista do Blur, Damon Albarn ter afirmado em Julho de 2014 de que o material trabalhado em Hong Kong seria “um daqueles discos que nunca seriam lançados”, Coxon mais Dave Rowntree e Alex James (baterista e baixista originais do Blur, respectivamente), junto do produtor Stephen Street (produtor dos discos clássicos do Blur dos anos 90, como Parklife, Great Escape e Modern Life is Rubbish), começaram a moldar o que viria ser The Magic Whip no final de 2014. Com os instrumentais prontos, Coxon apresentou as musicas reformadas à Albarn, que voltou a Hong Kong em Dezembro para ter inspiração para escrever as letras. Em Janeiro de 2015, os vocais estavam prontos e, em Fevereiro, a masterização também foi concluída.
                Em Abril de 2015, chegava às lojas físicas e online The Magic Whip, com uma capa exoticamente elegante, bela e simples, que homenageia a cidade que serviu de apoio para a concepção do album, Hong Kong. O material musical do disco, se comparado a capa, também não deixa a desejar. Do começo ao fim, o disco é feito de acertos, ou seja, 12 faixas equivalentes a 12 acertos. Primeiramente, porque o disco é completo, misturando o experimentalismo instrumental de 13 e Think Tank  à genialidade pop da era Britpop de Parklife. Exemplos disso são a curiosa “Ice Cream Man”, a belíssima “New World Towers” e a jazzística “Ghost Ship”, cujo um dos versos dá nome ao álbum. Em segundo lugar, a grandeza do disco se reflete também nos seus hits, os quais tem uma sonoridade tão peculiar do Blur dos anos 90 que poderiam estar em qualquer disco da era Britpop: a poderosa “Go Out”, cujo refrão pegajoso “to the lo-o-o-o-cal” gruda na cabeça facilmente, é um claro exemplo do resgate da sonoridade do britpop clássico do Blur; a primeira faixa do disco, “Lonesome Street”, que abre o album com um apelo pop genialmente construído sobre uma base instrumental sólida, sem “firulas”, com guitarra, baixo e bateria fazendo o simples e completo simultaneamente, relembra faixas memoráveis de Parklife como “Tracy Jacks” e “London Loves”. Todavia, o maior apelo pop do album fica por conta de “Ong Ong”, um pop de arena, cujo refrão “I wanna be with you” será facilmente cantado por milhares de pessoas ao mesmo tempo nos shows do Blur. Essas três ultimas músicas citadas, inclusive, são os maiores acertos de The Magic Whip , sendo assim, os pontos altos do disco, unindo qualidade musical e poética a qualidade comercial.

                 O resto do disco também não é material descartável, e sim um deleite aos apreciadores da banda e também àqueles que estão sendo iniciados ao som do grupo inglês de Essex. A volta do Blur ao estúdio tem que ser muito comemorada devido à qualidade e integridade do material lançado. A NME certamente fez muito bem em colocar The Magic Whip em 15° nos melhores álbuns de 2015, afinal, esse foi realmente um dos melhores – talvez até o melhor – lançamento de 2015.



quarta-feira, 11 de novembro de 2015

UMA MÚSICA DE CADA DISCO: Pearl Jam


Aproveitando que o Pearl Jam desembarca essa semana no Brasil para cinco shows (dia 11 em Porto Alegre, dia 14 em São Paulo, 17 em Brasília, 20 em Belo Horizonte e encerrando no Rio de Janeiro no dia 22) promovendo seu mais recente disco, Lightning Bolt, lançado em 2013, fiz esta matéria especial passando a limpo a discografia do grupo. Para isso escolhi aquela que julgo ser a canção mais representativa de cada disco. Menções honrosas inclusas!

“Black” – Ten, 1991





















Qualquer desavisado que for ouvir o disco de estreia do Pearl Jam sem saber do que se trata, provavelmente irá confundí-lo com uma coletânea de sucessos, tamanho o número de hits contidos ao longo de suas 11 faixas. E neste caso, foi impossível fugir do óbvio quando estamos falando de uma das mais belas canções de todos os tempos, que é “Black”. A enigmática letra escrita por Eddie Vedder, exclamada em uma performance impecável – principalmente na versão acústica gravada para a MTV – se tornou um hino da juventude dos anos 1990. Ouça também: “Oceans”, “Porch”, “Once” e “Alive”.


“Go” - Vs., 1993





















Uma verdadeira pancada que abre Vs., segundo disco lançado pelo Pearl Jam em 1993. O riff, tocado inicialmente no baixo e “engrossado” logo em seguida pelas guitarras de Stone Gossard e Mike McCready, é um dos mais pesados de todo o cardápio da banda, com um clima bastante escuro e até mesmo oriental (provavelmente uma influência stoniana de “Paint It Black”). É seguramente a abertura de disco mais impactante já feita pelo Pearl Jam, que aliás é especialista em fazer grandes aberturas de álbuns (alô, Stones novamente). Ouça também: “Elderly Woman Behind The Counter In A Small Town”, “Rearviewmirror”, “Daughter” e “Animal”.


“Spin The Black Circle” – Vitalogy, 1994

Confesso que foi extremamente difícil escolher apenas uma música deste que considero o melhor disco desta trinca inicial. Ao assumir o controle criativo, Eddie Vedder não poupou experiementalismos, tornando Vitalogy um álbum bastante diversificado. Fiquemos aqui com “Spin The Black Circle”, segunda faixa e provavelmente a mais punk já feita pela banda (ao lado de “Lukin”, é claro). Possui uma interessante letra pró-vinil (inclusive no encarte do CD está escrito “CD: Bad Acid ” ao lado da letra - risos). Ouça também: “Last Exit”, “Corduroy”, “Better Man” e “Not For You”.



“In My Tree” – No Code, 1996





















Se Vitalogy já causou um certo estranhamento entre os fãs mais ortodoxos, No Code foi o auge. Longe dos holofotes, o disco ficou mais restrito àqueles que se dedicavam a ouvir a fundo a discografia da banda. Porém, ao meu ver, é um disco essencial e extremamente maduro, tendo em vista que de meados dos anos 1990 em diante o rock mainstream foi ficando cada vez mais diluído e mastigado. Incluisive, para quem acompanha o trabalho da banda ao vivo, várias canções de No Code são presença obrigatória nos set-lists. “In My Tree” é uma das músicas que eu tenho maior carinho de toda a carreira do Pearl Jam, meio surf, meio psicodélica, meio Eddie Vedder – risos. Ouça também: “Sometimes”, “Hail, Hail”, “Red Mosquito” e “Present Tense”.


“Do The Evolution” – Yield, 1998





















Aqui não teve jeito. “Do The Evolution” é sem dúvida alguma minha canção favorita, não só de Yield, mas do catálogo inteiro do Pearl Jam. O clima “garageiro” combinado com uma produção crua encaixa  perfeitamente com a espetacular letra urrada por Vedder, vide os ácidos versos: "I can kill 'cause in God I trust, yeah/It's evolution, baby". Além disso, conta com um clipe sensacional, claramente influenciado pelo trabado de Gerald Scarfe no filme The Wall. Yield marca uma volta às origens, com a banda voltando a trabalhar em conjunto na composição das canções e traz uma sonoridade mais roqueira. É o disco predileto deste que vos fala. Ouça também: “Brain Of J.”, “MFC”, “Faithful” e “No Way”.


“Light Years” – Binaural, 2000





















Binaural é uma incógnita. Primeiro disco desde de Ten que não alcança o topo das paradas. Realmente, muito estranho, tendo em vista o grande sucesso que foi Yield. Até hoje o disco é praticamente esquecido entre até os mais radicais fãs. Provavelmente seja pela falta de hits potenciais, pois o álbum como um todo é bastante interessante, lembrando No Code em alguns momentos. O destaque fica por conta da belíssima “Light Years”, com um clima setentista maravilhoso. Claramente uma das mais lindas canções já feita pelo Pearl Jam. Ouça também: “God’s Dice”, “Nothing As It Seems”, “Soon Forget” e “Evacuation”.


“Love Boat Captain” – Riot Act, 2002


Uma das mais belas letras já escritas por Eddie Vedder, “Love Boat Captain” machuca. Ainda mais sabendo que seus versos "Lost nine friends we'll never know/Two years ago today" se referem a um acidente durante um show em Roskilde, que matou nove fãs. Extreamente existencialista, assim como todo o Riot Act, a canção se enqudra perfeitamente no contexto de perda, que permeia todo álbum. Além de contar com a melhor capa feita pela banda, Riot Act é dedicado à Dee Dee Ramone, John Entwistle e Ray Brown, todos baixistas falecidos em 2002. Ouça também: “Can’t Keep”, “Bu$hleaguer”, “Save You” e “Thumbing My Way”.


“Life Wasted” – Pearl Jam, 2006





















Após um hiato relativamente longo, o sol volta a brilhar para o quinteto de Seattle. O auto-intitulado é um sopro de vida, energia e despretensão – vide a magnífica e complexa capa. É de longe o álbum mais Rolling Stones feito pelo Pearl Jam, e dá início ao que eu chamo de “trilogia ensolarada” (até o fim do texto você entenderá o sentido desta expressão). A canção eleita como destaque é  a stoniana “Life Wasted”, faixa de abertura que relembra os tempos em que o Pearl Jam costumava iniciar seus discos no volume máximo. Ouça também: “World Wide Suicide”, “Comatose”, “Parachutes” e “Marker In The Sand”.


“Got Some” – Backspacer, 2009





















Parece que a formula do disco anterior deu certo, e o Pearl Jam voltou em 2009 com mais um excelente álbum, ainda mais alto astral e mais focado. Nenhuma grande inovação, mas com tudo em seu devido lugar e com direito até a um grande hit, a balada “Just Breathe”. Porém o destaque fica a cargo de “Got Some”, com sua vibe completamente californiana. Ouça também: “The Fixer”, “Just Breathe”, “Johnny Guitar” e “Gonna See My Friend”.


“Let The Records Play” – Lightning Bolt, 2013





















Finalmente chegamos ao último disco até o momento, o grande responsável pela atual turnê, Lightning Bolt. Terceiro da minha “trilogia”, o disco fez um sucesso estrondoso, com o hit baladesco “Sirens”. A música inclusive fez muito sucesso aqui em Terra Brasilis, tocando exaustivamente em diversos meios. Boa canção, mas passa longe das grandes faixas mais introspectivas do Pearl Jam. “Let The Records Play” é o grande destaque, um blues neilyoungano com uma letra próxima de “Spin The Black Circle”. Ouça também: "Getaway", "Mind Your Manners", "Pendulum" e "Lightning Bolt".


domingo, 11 de outubro de 2015

The perks of being a wallflower: uma ode à adolescência

Não subestime o mainstream.

Em 1999, Stephen Chbosky estreou na literatura com “The perks of being a wallflower”, um romance epistolar sobre o começo da adolescência e tudo o que vem junto dela. O sucesso foi estrondoso. Em 2012, o livro foi adaptado para o cinema com roteiro escrito pelo próprio Chbosky e astros juvenis como Logan Lerman (Percy Jackson), Emma Watson (Harry Potter) e Ezra Miller (We need to talk about Kevin) no elenco.

Em 2012, eu estava no último ano do Ensino Fundamental. Quando fiquei sabendo da mais nova febre entre meus colegas de classe, não pude ser mais cético. Um filme com a Hermione e o Percy Jackson chamado “As vantagens de ser invisível”? Perda de tempo.

Em 2014, eu estava no segundo ano do Ensino Médio, vivendo os conflitos – interiores e exteriores – diários e extremamente desgastado por isso. Foi aí que o livro chegou às minhas mãos. Li, ainda que um pouco receoso, e foi uma experiência inexplicável. Depois disso assisti ao filme por 4 ou 5 vezes.

Não subestime o mainstream.


“As vantagens de ser invisível” livro tem como protagonista Charlie, um adolescente solitário (daí o “wallflower”) com um histórico de problemas psicológicos às vésperas de ingressar no Ensino Médio. Sua jornada torna-se mais prazerosa quando ele conhece Sam e Patrick, dois veteranos “da ilha dos desajustados”. A partir daí, dá-lhe festas, drogas, música, brigas e reconciliações. A narrativa de Charlie é cativante por ser um mergulho profundo na mente de um adolescente lutando para lidar com os perrengues dessa fase da vida.

“As vantagens de ser invisível” filme tem uma relação interessante com o romance. Por Stephen Chbosky estar envolvido em ambos, inspiração e adaptação complementam-se muito bem. A inspiração é obviamente superior, mas o filme merece ser visto e revisto pelas passagens que diferem do romance, e vice-versa.

Um elemento essencial da trama é a música. A história se passa no início dos anos 1990, logo as mixtapes são uma constante e o rock alternativo está se apossando do seu trono de direito. Por isso, a trilha sonora da película é recheada de hinos hipsters (“Teenage Riot” do Sonic Youth, “Asleep” dos Smiths, “Pearly-dewdrops’ Drops” do Cocteau Twins) e alguns hits improváveis (“Tugboat” do Galaxie 500, “Low” do Cracker, “Dear God” do XTC), sem mencionar as incursões por décadas anteriores com “Come On Eileen” do Dexy’s Midnight Runners e “Heroes” do David Bowie. Uma coletânea digna de Charlie, sem dúvidas.

Recentemente reli o livro e as emoções foram as mesmas que senti na primeira leitura. Acredito que todo mundo que já foi adolescente alguma vez na vida se identificará com a sensibilidade aflorada, o sentimento de não-pertencimento, o sentimento de pertencer a algo, a rebeldia, o amor, enfim, a vida de Charlie.

E, nesse momento, seremos infinitos.

Obrigado, Stephen Chbosky, Emma Watson, Logan Lerman e Ezra Miller. Obrigado a quem me emprestou o livro no segundo ano, e obrigado à livraria em que pude comprá-lo e relê-lo para reviver uma das melhores experiências que já vivi. Quanto a quem não leu/assistiu, faça-o. Por favor.